Gênesis

Rafael Sá
2 min readJul 3, 2024

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Todo começo emerge de um estado de vazio e desordem. Antes que algo possa surgir, tudo deve esvaziar-se, pois nada nasce do nada neste universo de possibilidades. Mesmo o próprio universo não surgiu espontaneamente, mas dependeu de uma singularidade onde suas próprias regras não se aplicam. Não estou em busca da teoria tomista da causa primeira; na verdade, procuro algo oposto: a causa última, o resultado final de todas as tentativas de encontrar uma causa inicial. Ao reconhecer a ausência de uma causa primeira, devemos nos desmontar para entender do que somos feitos.

Após tanto buscar minha origem, tornei-me cinzas. Agora, contento-me em existir momentaneamente sem forma, pois vejo um novo universo se formando a partir de mim. Os cacos de minha existência são como as ações de um oleiro que persiste na busca pela perfeição funcional. Nascer para o uso não é utilitarismo mecânico da indústria, mas sim a utilidade da beleza. Nascemos para sermos belos, para embelezar o mundo.

Cada um de nós vive sua singularidade, seja na dor, na alegria intensa, no nascimento de uma criança. Todos temos um ponto nevrálgico que desestabiliza nossa ordem. Um dia, o grande colapso nos atingirá. Nesse momento, é necessário um pouco de medo para não nos iludirmos com nossas próprias vísceras, mas também coragem para ver como cada peça se encaixa pela pressão gravitacional da existência.

Não existe ser sem que haja um não-ser inerente a ele. Diante do absurdo e da incoerência, precisamos tomar uma decisão; eu chamo isso de fé. Dependemos muito mais das nuvens do que escolhemos: dos arrependimentos, das angústias e daquilo que não aceitamos. É através dessas experiências que, de alguma forma, enxergamos o que somos.

Na criação do mundo, o ser último é a construção de um homem que, antes de tudo, é apenas água. O útero materno é o lugar de onde somos chamados à existência, pois uma centelha divina, orgástica, fecunda o homem que é terra e céu, dia e noite, animal e angelical. O primeiro capítulo da Bíblia descreve poeticamente a criação do corpo humano; talvez por isso, a primeira palavra seja literalmente "cabeça". É assim que somos lançados ao mundo.

E é assim que decido me lançar aqui, de cabeça, sem medo, acreditando que um dia serei um corpo perfeito e ressurreto.

Rafael de Sá.

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Rafael Sá

O que sou? Uma casca sobre a qual repousa um nome. Um nome que unifica uma pequena narrativa.