A Proximidade de um Deus que Chora

Rafael Sá
2 min readJun 26, 2024

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As lágrimas são o caminho que o espírito percorre até o corpo, passando por toda a extensão da alma, avaliando e entendendo sua própria miséria. Dito isso, prefiro o Jesus das lágrimas ao da ressurreição.

Nas névoas densas do crepúsculo da alma, Deus surge como a figura da pergunta mais profunda, tão intrínseca que nenhuma mente consegue elaborar completamente. Em dias marcados por mais perguntas do que respostas, é na velha escritura que ainda encontro um caminho, mesmo que estreito entre as margens da solidão que apertam a consciência. Conta-se que Jesus, diante da dor de duas irmãs enlutadas, teve seu coração cortado por dentro e chorou.

Nesse momento, talvez tenha visto o maior milagre de Jesus. Para a cultura judaica, poucos rabinos defendem a ideia de que Deus possa chorar. Encontramos um esboço disso em alguns comentários do exílio babilônico, que veem no texto de Jeremias uma expressão do próprio choro de Deus. Mas ali, Deus se derramaria em lágrimas em locais ocultos, escondidos de todos e solitários. Não aqui. Jesus se desmancha diante de uma multidão em luto.

Na tradição cristã, Jesus é Deus, o que implica que as lágrimas de Jesus são uma ação em direção a algo, um movimento místico precipitado na alma de Deus. Das vísceras ocultas do próprio Deus, derrama-se aqui Seu lamento; Deus encarnou. No livro de João, encontramos essa figura que anda, come, bebe, mas também participa da miséria e tragédia humana, quando perde seu vigor ou enxerga a dor de uma morte comum, de um amigo comum.

O milagre é a genuína transmutação de um mundo espiritual para um mundo material; a encarnação de Deus abre a porta para a ressurreição de Lázaro, que morreria outras tantas vezes se necessário, mas é antes de tudo a ressurreição da amizade e do respeito pela dor humana.

Preferiria, como disse antes, um Deus cuja proximidade consola mais do que um que simplesmente ressuscita, pois as tragédias não escolhem seus destinatários. Elas atravessam os corações de todos nós, desafiando nossa fé e confrontando nossas esperanças. Mas a ressurreição é fruto dessa experiência de aproximação, de modo que podemos ressuscitar almas mortas no simples poder do amor. Quando em Cristo, nos unimos em sofrimento com todos os homens.

É na presença silenciosa de um Deus que chora que encontro minha verdadeira fortaleza, minha âncora nas tempestades mais sombrias da vida. De alguma forma, que possamos encontrar consolo na certeza de que não estamos sozinhos em nossos momentos de desespero. Pois onde houver dor, haverá também a promessa de uma presença divina que nos sustenta, que chora conosco e nos guia através das profundezas da nossa humanidade ferida.

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Rafael Sá

O que sou? Uma casca sobre a qual repousa um nome. Um nome que unifica uma pequena narrativa.